A Comissão Europeia lançou uma convocação para a participação cidadã sobre a futura regulamentação europeia para a retenção de dados por parte dos fornecedores de serviços eletrônicos, um tema que reafirma a complexa relação entre o combate ao crime e a proteção dos direitos fundamentais na era digital.
Atualmente, não existe um marco comum a nível europeu que obrigue os provedores de serviços de comunicações eletrônicas, como operadoras de telefonia e serviços de mensagens online, a conservar determinados dados para investigações e processos judiciais. Cada Estado-membro aplica sua própria legislação, gerando divergências significativas que dificultam tanto as autoridades policiais quanto as empresas tecnológicas que atuam em diferentes países.
Essa fragmentação legal, segundo o documento da Comissão, representa um obstáculo sério na luta contra crimes graves e na cooperação judicial transfronteiriça, já que muitas vezes os dados cruciais são eliminados antes que as autoridades possam solicitá-los, complicando investigações, especialmente em crimes puramente digitais.
A proposta se foca apenas em dados “não relacionados ao conteúdo”. Isso inclui:
- Informações de assinantes
- Origem e destino de mensagens
- Localização de dispositivos
- Data, hora, duração e tamanho das comunicações, sem incluir o conteúdo em si.
Esses dados são essenciais para identificar suspeitos, localizar vítimas e reconstruir eventos, mas também são altamente sensíveis, pois podem revelar padrões de vida e relações pessoais.
A proteção da privacidade, dos dados pessoais e da liberdade de expressão — resguardados pela Carta dos Direitos Fundamentais da UE — é central na discussão. Desde 2014, após uma decisão importante do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a UE não pode impor uma retenção geral e indiscriminada de dados exceto sob rigorosas salvaguardas e por períodos limitados. Isso levou os Estados-membros a adaptar suas legislações nacionais, resultando no mosaico normativo atual.
A Comissão Europeia está considerando várias alternativas, incluindo:
- Recomendações e medidas de cooperação: como padrões comuns para categorizar dados e formular pedidos.
- Novas obrigações legislativas que estabeleçam requisitos harmonizados para retenção e acesso a certos dados.
- Mecanismos de salvaguarda: que ofereçam garantias rigorosas de proporcionalidade, controle judicial e proteção dos direitos fundamentais.
O propósito é assegurar que a retenção de dados ocorra somente na medida que seja necessária e proporcional, com salvaguardas claras contra abusos.
Impactos previstos incluem:
- Sociedade: maior eficácia na perseguição de crimes e proteção de vítimas.
- Economia: diminuição da insegurança jurídica para empresas que operam em múltiplos países, embora em algumas nações sem obrigações anteriores, a carga pode aumentar.
- Direitos fundamentais: qualquer medida deve ser cuidadosamente ponderada para evitar impactos negativos sobre a privacidade e a liberdade de expressão.
A Comissão abriu uma fase de consulta pública, permitindo que cidadãos, empresas e organizações possam opinar. Esta consulta servirá como base para a avaliação de impacto e o design da proposta legislativa, prevista para o primeiro trimestre de 2026.
A iniciativa europeia para a retenção de dados representa um passo crucial na busca de um equilíbrio entre segurança e privacidade no ambiente digital. As próximas semanas e meses serão decisivas para definir até que ponto as autoridades poderão acessar dados eletrônicos e sob quais condições, contando com a participação ativa da sociedade.
Mais informações e acesso à consulta pública estão disponíveis no portal “Have your say” da Comissão Europeia.