A comunidade tecnológica reage à decisão que permite à LALIGA e à Telefónica bloquear endereços IP sem transparência
O debate sobre o controle do acesso à internet ganhou força na Espanha após uma decisão judicial que autoriza a LALIGA e a Telefónica a bloquear endereços IP sob a justificativa de combater a pirataria audiovisual. A organização RootedCON, referência em cibersegurança, anunciou a intenção de entrar com um recurso de amparo no Tribunal Constitucional contra a sentença ratificada recentemente pelo Juzgado de lo Mercantil nº6 de Barcelona.
Para a RootedCON, essa decisão representa uma ameaça significativa às liberdades digitais e à estrutura técnica da internet no país. Em comunicado, a organização denuncia a “falta de proporcionalidade e garantias” no processo, alertando para o precedente que pode ser estabelecido para outros setores além do futebol.
Os bloqueios massivos realizados toda vez que há jogos de futebol visam impedir o acesso a transmissões ilegais. Contudo, segundo a RootedCON e diversos usuários afetados, essas medidas atingem milhares de sites e serviços legítimos, incluindo plataformas de pagamento como Redsys, sites de empresas, serviços de jogos online, redes sociais e até ferramentas administrativas.
“Estamos diante de um modelo de censura técnica sem debate público ou supervisão efetiva, com impactos econômicos e sobre direitos reais”, alertam da RootedCON, que possui 15 anos de experiência como plataforma de pensamento crítico e formação em cibersegurança.
O deputado do BNG, Néstor Rego, também se posicionou, apresentando um pedido formal ao Congresso para intervir na que considera uma prática abusiva que infringe direitos fundamentais, como o acesso à informação e a liberdade empresarial. “Uma autorização judicial não pode se tornar um cheque em branco para que empresas privadas realizem bloqueios indiscriminados com danos colaterais massivos”, sustentou.
Em contrapartida, a LALIGA respondeu de maneira contundente, destacando que “cumpre com a legislação vigente” e que o decreto judicial validou a legalidade do procedimento, rejeitando qualquer alegação de violação de direitos fundamentais ou danos diretos comprovados. “O procedimento é legal, amparado pela normativa de propriedade intelectual e serviços digitais, e o julgamento foi claro: os solicitantes não provaram nenhum dano nem têm legitimidade para representar os direitos alegados”, afirma o comunicado da LALIGA.
Além disso, a LALIGA enfatiza que seu objetivo é “proteger o ecossistema audiovisual e garantir a sustentabilidade da competição”, a qual, segundo a organização, é severamente prejudicada pela pirataria.
O caso RootedCON contra a LALIGA vai muito além do universo do futebol. Ele representa um dos conflitos mais significativos na intersecção entre propriedade intelectual, neutralidade da rede e direitos digitais. A capacidade de empresas privadas influenciarem o acesso a serviços e conteúdos online, sem controle adequado, levanta sérias questões sobre o modelo de governança da internet na Espanha.
Neste contexto, o papel do Tribunal Constitucional será crucial. Se o recurso de amparo for aceito, poderá estabelecer jurisprudência fundamental sobre o equilíbrio entre a proteção de direitos comerciais e o respeito às liberdades fundamentais no ambiente digital.
Enquanto isso, cada dia de jogo se transforma em um experimento legal, com consequências imprevisíveis para o ecossistema digital. O desfecho dessa partida ainda está por vir.