Câmara dos Representantes dos EUA aprova lei que proíbe regulação da inteligência artificial nos estados por dez anos
Em um movimento legislativo sem precedentes, a Câmara de Representantes dos Estados Unidos aprovou um projeto de lei orçamentária que inclui uma cláusula polêmica: a proibição para que os estados regulem a inteligência artificial (IA) nos próximos dez anos. Essa medida provocou uma onda de críticas, levantando preocupações sobre a soberania legislativa dos estados e a proteção dos direitos dos cidadãos frente ao uso crescente de tecnologias automatizadas.
A disposição, que estava escondida entre cortes sociais e ampliações fiscais no extenso texto orçamentário, contou com apoio da maioria republicana da Câmara, e agora precisa passar pelo Senado, onde pode enfrentar dificuldades legais devido à “Regra Byrd”, que impede a inclusão de itens não orçamentários durante o processo de reconciliação.
Além do veto à legislação estadual sobre IA, o pacote orçamentário prevê cortes de 625 bilhões de dólares no Medicaid, 300 bilhões em cupons de alimentos (SNAP) e até 500 bilhões no Medicare, enquanto amplia cortes fiscais que favorecem as rendas mais altas. O elemento que mais chamou atenção, no entanto, foi a cláusula que impede os estados de promulgar leis sobre IA até 2035, considerada por grupos de direitos digitais, como a Electronic Frontier Foundation, como uma “concessão direta aos gigantes tecnológicos”.
Embora o projeto tenha sido aprovado pela Câmara, alguns senadores republicanos expressaram preocupações. A senadora Marsha Blackburn (Tennessee) alertou que poderia anular normas estaduais que protegem artistas contra deepfakes, enquanto Josh Hawley (Missouri) criticou a tentativa de silenciar iniciativas locais para mitigar os riscos associados à IA.
Defensores da proibição argumentam que ela evitará um “caos regulatório” entre os estados enquanto o Congresso elabora um marco legal nacional. Contudo, os críticos a veem como uma incoerência ideológica de aqueles que tradicionalmente defendem a autonomia legislativa estadual.
Durante a discussão do texto, a congressista democrata Lori Trahan foi contundente: “As famílias que pediram ajuda a este comitê não se beneficiarão dessa cláusula. Os únicos vencedores serão os executivos das grandes empresas de tecnologia”.
Atualmente, alguns estados já possuem normas relacionadas à IA, com foco em evitar discriminações em processos automatizados de seleção de pessoal e controlar o uso de conteúdos manipulados por IA. Se a lei for aprovada pelo Senado, todas essas regulamentações podem ser suspensas.
Analistas indicam que, além da aprovação formal, a cláusula pode resultar em desafios constitucionais, uma vez que pode comprometer o equilíbrio de competências entre a federação e os estados. Isso poderia abrir um novo campo judicial envolvendo organizações civis, tecnológicas e governos regionais.
Para o analista tecnológico Rob Enderle, “isso é um retrocesso. Justo quando os cidadãos mais precisam de proteção contra os riscos de uma tecnologia emergente, são deixados sem ferramentas legais eficazes”.
Se o Senado não bloquear ou modificar a proposta, os Estados Unidos podem se tornar um dos poucos países democráticos onde as empresas de tecnologia operam sem nenhuma regulação estatal em matéria de inteligência artificial durante uma década, um cenário that levanta muitas preocupações.