Em um cenário ideal, um sistema fiscal deveria ser justo e previsível, servindo como base para financiar serviços públicos sem causar sobrecarga aos cidadãos. Entretanto, uma recente e polêmica denúncia publicada no respeitado jornal Financial Times trouxe à tona questões alarmantes sobre o funcionamento do sistema fiscal na Espanha. A queixa, apresentada pelo escritório de advocacia Amsterdam & Partners, revela uma estrutura que parece criar um “ganha-ganha” para a administração fiscal e um “perde-perde” para os contribuintes.
Um dos pontos mais críticos destacados na denúncia refere-se aos incentivos perversos existentes dentro da Agência Tributária espanhola. Os inspetores fiscais são recompensados financeiramente com bônus com base na quantia que conseguem arrecadar, independentemente da legalidade ou da precisão das liquidações emitidas. Esse mecanismo de remuneração incentiva uma abordagem agressiva de cobrança, onde o volume arrecadado prevalece sobre a justiça. O aspecto mais chocante é que, mesmo quando suas decisões são posteriormente revogadas pelos tribunais, os inspetores já ganharam suas recompensas. Essa prática, quase inexistente em outras economias desenvolvidas da OCDE, evidencia um grave conflito de interesse que compromete a imparcialidade.
Além disso, a dinâmica de pagamento do imposto é inquietante: em solo espanhol, o contribuinte é obrigado a pagar integralmente qualquer quantia cobrada antes mesmo de poder contestar oficialmente a liquidação tributária. Essa norma transforma o direito de defesa em um privilégio caro, resultando em sérias consequências para os que não podem cumprir com as exigências financeiras. Os que se vêem impossibilitados de pagar enfrentam embargos imediatos, coação de fechamento de negócios e até a possibilidade de declaração de insolvência. Para aqueles que conseguem arcar com as despesas, inicia-se um processo judiciário que pode se arrastar por uma década, gerando custos legais altos e uma pressão financeira constante, apenas para reaver valores que, em muitos casos, nem deviam ter sido pagos.
Estatísticas revelam que mais de 50% dos recursos tributários apresentados pelos contribuintes em Espanha acabam sendo favoráveis, ou seja, os tribunais reconhecem que a administração cometeu erros graves. Embora possa parecer um bom indicador, essa elevada taxa de revogação é um sinal claro de que o sistema apresenta falhas significativas. Isso sugere que a administração fiscal emite liquidações em massa, ciente de que muitas delas não sobreviverão a uma revisão judicial rigorosa. Esse erro sistêmico é alimentado por “procedimentos bizantinos”, resultando em uma das mais altas taxas de litigância tributária da Europa, ao mesmo tempo em que os prazos para resolução dos casos se estendem.
A denúncia ganhar visibilidade não por meio de um veículo local, mas em um jornal de circulação internacional como o Financial Times, acendeu o alerta sobre a reputação da Espanha como um destino seguro para investimentos. Contudo, o que realmente preocupa não é a imagem externa, mas a normalização de práticas tão injustas dentro do país. A necessidade de uma reflexão interna é evidente: o que realmente deveria nos envergonhar não é a percepção do mundo exterior, mas a aceitação de um sistema que falha em proteger os direitos dos cidadãos.
As quatro questões levantadas pela denúncia não são falhas isoladas, mas indicativos de uma doença institucional que afeta a integridade do sistema fiscal espanhol. Esta realidade agora exposta em um fórum global exige que a pergunta não seja mais sobre se o sistema é injusto, mas sim quando as reformas essenciais serão iniciadas para assegurar que a justiça prevaleça sobre a arrecadação incessante.






