A guerra contra transmissões piratas de futebol na Espanha se transforma em um estudo sobre bloqueios na internet
A batalha contra as transmissões piratas de futebol na Espanha não se limita mais apenas aos direitos audiovisuais; agora, tornou-se um tema central de discussão sobre como não implementar medidas de bloqueio na internet, arrastando para o caminho sites e serviços que nada têm a ver com a pirataria.
Recentemente, a Comissão Europeia avaliou, dois anos após sua Recomendação (UE) 2023/1018, sobre a luta contra a pirataria de eventos esportivos e outras transmissões ao vivo. Dentre os resultados, o caso espanhol destaca-se: os bloqueios promovidos pela LaLiga e pela Telefónica geraram queixas de sobrebloqueio e suscitaram um debate sobre as salvaguardas existentes.
Enquanto isso, a LaLiga divulgou sua própria versão do relatório, alegando que Bruxelas “avaliou positivamente” a estratégia de bloqueios dinâmicos aplicada na Espanha. Para o ecossistema digital, especialmente para aqueles que viram seus sites caírem repentinamente, a percepção é bastante diferente.
Bruxelas foi clara em sua recomendação de 2023: bloqueios são aceitáveis, mas não devem afetar terceiros. A Comissão estipulou que such medidas devem ser “estritamente seletivas” e não devem privar os usuários do “acesso legal à informação”. Em outras palavras, a Comissão abriu a porta para ações rápidas contra clones e domínios espelho, mas alertou que o remédio não poderia ser pior que a doença, enfatizando a necessidade de respeitar direitos fundamentais como a liberdade de informação.
Entretanto, especialistas em redes e direitos digitais desde cedo apontaram para um risco evidente: bloquear por IP não significa apenas bloquear um site, mas pode desativar serviços de centenas ou milhares de projetos que compartilham a mesma infraestrutura em CDN (Content Delivery Network) e nuvens públicas.
Perto da avaliação da Recomendação, o lobby esportivo e audiovisual apresentou uma carta aberta à Comissão Europeia pedindo um passo além. Entre as demandas estavam um sistema de bloqueio de IPs a nível europeu e que intermediários cortassem o acesso aos infratores rapidamente após notificação. Além disso, pediram que VPNs e redes CDN mantivessem um registro de identidade real de seus usuários.
Embora a Comissão Europeia reconheça que o bloqueio de conteúdo legítimo foi “muito limitado” na maioria dos Estados membros, ela ressalta que o risco de sobrebloqueio é “muito maior” quando as medidas se baseiam em IP. Isto é exemplificado em casos como o da LaLiga/Telefónica na Espanha, onde usuários apresentaram queixas de bloqueios excessivos.
Entretanto, o governo espanhol tem uma visão contrastante. Em uma resposta ao Congresso, o governo afirmou que não recebeu reclamações formais que comprovem os casos de sobrebloqueio relatados.
Enquanto a LaLiga interpreta a avaliação da Comissão como apoio à sua estratégia, o tom desdenhoso de algumas vozes dentro da organização em relação aos afetados por sobrebloqueio revela um conflito mais profundo. Para as pequenas e médias empresas, ou seja, empresas digitais, associações e projetos pessoais, ver seus sites caírem sem explicações por decisões de grandes entidades como a LaLiga ou Telefónica é um desafio imenso.
Além da questão da privacidade e segurança, a situação levanta a preocupação de uma normalização da censura técnica, uma vez que terceiros podem se basear nesse precedente para proteger seus interesses. Para o ecossistema digital, isso significa uma desconfiança crescente em relação à infraestrutura compartilhada, desestímulo à inovação e, o mais preocupante, um possível desencorajamento para pequenos projetos, que podem ver suas operações interrompidas por ações de bloqueio sem precedentes.
Diante desse cenário, a comunidade tecnológica deve exigir maior transparência sobre as medidas de bloqueio, criar mecanismos rápidos de exclusão e buscar uma supervisão independente sobre as ordens. A avaliação da Comissão Europeia nos alerta: o risco de sobrebloqueio já se concretizou e, a partir de agora, a Europa deve decidir se tomará ações eficazes para proteger a rede como uma infraestrutura crítica ou se permitirá que as soluções técnicas impeçam o normal funcionamento de serviços legítimos, tudo em nome da proteção de um entretenimento esportivo.






