Um novo relatório da Make It Free questiona a viabilidade dos modelos tradicionais de assinatura fechada e sugere uma alternativa: monetizar os leitores que não pagam, sem pedir que o façam. Nos últimos anos, meios digitais têm investido pesadamente na construção de muros de pagamento como sua principal fonte de receita. No entanto, a nova pesquisa da firma tecnológica apresenta uma crítica contundente: esse modelo ignora e, consequentemente, perde uma grande parte do público. Segundo o relatório “Seeing the Data Forest Through the Digital Trees”, mais de 90% dos visitantes digitais saem sem se registrar, pagar ou deixar qualquer rastro.
O dado alarmante não diz respeito apenas à perda de audiência, mas também à cegueira estratégica que representa ignorar essa fatia considerável. Em um momento em que a sustentabilidade dos meios de comunicação depende da diversificação de receitas, continuar apostando apenas em muros pode ser comparado a lançar uma rede ao mar e deixar escapar os peixes maiores pelo tamanho do buraco.
O modelo tradicional de assinatura sustenta-se em uma minoria ativa: cerca de 3% dos leitores se inscrevem para pagar, e aproximadamente 7% se registram gratuitamente. O restante, 90%, simplesmente abandona o site ao se deparar com o bloqueio. Diante disso, a proposta da Make It Free é transformar esse 90% “desaproveitado” em uma fonte de receita sem fricções, sem exigências de cartão de crédito ou registros de e-mail.
O relatório distingue dois segmentos principais de leitores: aqueles com intenção — dispostos a se registrar ou pagar — e os que não têm esse interesse imediato, a maioria silenciosa que busca apenas ler um artigo e seguir seu caminho. Tradicionalmente, a visão de negócios digitais tem considerado que este último grupo não gera valor, mas, segundo Wade Bradley, CEO da Make It Free, essa percepção é um erro. Cada leitor que sai sem converter poderia, de fato, contribuir economicamente, desde que se ofereça um caminho de entrada menos invasivo.
A proposta concreta da Make It Free é a criação de um “muro frontal inteligente”, onde o leitor que chega a um artigo restrito pode optar por lê-lo gratuitamente através de um patrocinador ou ao aceitar receber um conteúdo adicional por e-mail futuramente. O acesso é facilitado com um clique, sem que dados pessoais sejam exigidos imediatamente, permitindo ao meio de comunicação monetizar cada artigo acessado dessa forma.
Os cálculos indicam que um site de notícias com um milhão de visitas mensais poderia gerar receitas significativas com essa estratégia. Aproximadamente 900.000 visitantes abandonam o site devido ao muro, mas cerca de 32% desses poderiam converter-se utilizando o botão “ler grátis”, resultando em aproximadamente 150.000 euros anuais em receita.
Este modelo não pretende substituir o muro de pagamento, mas sim complementá-lo, convertendo tráfego que, de outra forma, seria perdido em fluxo financeiro através de acordos de patrocínio, remarketing ou monetização direta. As marcas que colaboram nesse esquema pagam por cada leitor exposto à sua mensagem, oferecendo, em troca de um acesso sem fricções, um valor futuro ao leitor — seja um conteúdo exclusivo, uma oferta ou uma assinatura opcional.
A proposta também respeita a privacidade do leitor, que não precisa fornecer dados de imediato. Apenas se optar por receber informações ou participar de dinâmicas específicas, a entrega de dados se torna voluntária. Essa abordagem é especialmente relevante em um ambiente onde a confiança digital e a transparência no uso de dados são cruciais.
Para os meios de comunicação, isso envolve mudar a forma de pensar sobre sua audiência, passando de uma visão centrada apenas em conversões para uma perspectiva focada em relações. A lealdade não começa com um formulário, mas com uma experiência positiva e sem fricções. Em vez de medir o sucesso apenas pelo número de assinantes, os meios devem começar a avaliar o valor gerado por cada segmento de audiência, incluindo aqueles que não pagam, mas que leem, compartilham ou retornam ao conteúdo.
Outro aspecto a ser considerado é a dependência de plataformas externas para a coleta de dados. Enquanto gigantes como Google e Meta acumulam informações detalhadas sobre cada usuário, os meios de comunicação raramente retêm seus próprios dados. Perder o controle sobre essas informações limita a capacidade de personalizar, inovar ou monetizar.
A estratégia do muro frontal também abre caminhos para a construção de dados próprios progressivos, sem forçar o usuário a compartilhar informações. Com isso, o relatório da Make It Free sugere não apenas um modelo único, mas sim um modelo misto que respeite os leitores dispostos a pagar, ao mesmo tempo em que viabiliza formas de monetização para aqueles que ainda não querem ou não estão prontos para isso.
Em um cenário onde a receita publicitária tradicional está encolhendo e a competição pela atenção é crescente, diversificar se torna uma necessidade. Como aponta o estudo, a rentabilidade dos meios não está apenas em quem paga, mas no que se faz com quem não paga. A verdadeira questão pode ser: e se o modelo de negócio ideal for parar de perseguir o leitor e começar a acompanhá-lo?